Produção textual
“Escrevo sem
pensar tudo o que o
meu inconsciente
grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi”
Mário de Andrade (1893-1945)
Caros aluno(a)s, apesar de longo, o texto abaixo,apresenta o verdadeiro sentido de uma crônica, portanto leiam com os sentidos e a alma, não, necessariamente, com a razão.
Esses cronistas maravilhosos e suas palavras voadoras
Jorge Miguel Marinho
A história que agora passo
a contar do início
explica em grande parte
porque ainda acredito no
ser humano
-ô, raça!
A crônica aqui entre nós se casou tão bem com o espírito brasileiro, com a vontade de se confessar nas coisas miúdas e extrair delas uma história maior, com o calor afetivo de um povo que, espontâneo nos atos, se quer espontaneamente expressivo na linguagem também, com as necessidades de um país novo que busca a sua identidade com os olhos no mundo e um olhar mais decisivo no local, com aquela versatilidade camaleônica que precisa de muitas vozes e muitas formas de expressão para se auto-afirmar, com a pressa de leitura de um mundo que tem urgência de se ver e se reconhecer nas suas palavras e no seu lugar - que este gênero jornalístico, hoje significativamente literário, que ainda resiste a uma classificação formal, é tão presente no processo de formação da Literatura Brasileira e igualmente tão singular na afirmação das nossas Letras que se pode dizer, com segurança, que a crônica é um modo muito nosso de ser.
E de onde vem a crônica?
Machado de Assis, como a maioria dos nossos escritores, também foi cronista e, junto com José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo, fez parte do primeiro time de “cães farejadores do cotidiano” – numa expressão feliz de Antonio Candido para registrar a avidez pela “reportagem da vida” que progressivamente vai se tornar na nossa tradição literária um encontro único entre literatura e jornalismo, gênero que os escritores brasileiros dominam como poucos e, por que não dizer?, como ninguém.
Pois é o nosso Machado mesmo que, brincando seriamente e se autodenominando “escriba das coisas miúdas”, desvenda “O nascimento da crônica”, não por acaso numa crônica com este mesmo título, afirmando e fabulando com aquele humor inteligente que a natureza ou a origem da crônica nasce de uma trivialidade como exclamar “Que calor!”, para depois conjecturar “acerca do sol, da lua, da febre amarela, dos fenômenos atmosféricos” e outros calores da alma humana. E mais: que este tom tão trivial e aparentemente bisbilhoteiro da crônica é mais velho do que Esdras, Abraão, Isaque e Jacó, sugerindo para nós leitores que é mais velho até do que Noé que – por essas veredas da fábula, não é nenhum pecado imaginar -, muito provavelmente, se utilizou do ritmo exclamativo e prosaico da crônica para anunciar ou quem sabe irradiar a iminência do maior dilúvio de todos os tempos, ameaça ou notícia esta em que, com a graça de Deus, teve gente que acreditou.
É isto: por seu caráter de prosa, colóquio, confissão, comunicação imediata, “graça”, sentido telegráfico, urgência, trivialidade e até mesmo brincadeira ainda que o tema solicite o tom da seriedade, não dá para precisar em que época nasceu a crônica, mas é muito provável (e ainda quem nos alerta é Machado) que a crônica aconteceu pela primeira vez quando as duas primeiras vizinhas, depois das tarefas do jantar, se sentaram na porta de casa para papear sobre o dia e agarrar a transitoriedade da vida com palavras triviais e “voadoras” porque aparentemente dispersas, palavras com ar de coisa nenhuma, mas no fundo necessárias e urgentes como o impulso natural de comunicação entre dois amigos – escritor e leitor – que, se confessando no rés-da-calçada e nas miudezas da vida, revelam a complexidade da condição humana e a experiência única de viver.
Carlos Drummond de Andrade que, como Rubem Braga e Clarice Lispector, imprimiu poesia e estados de alma à crônica, diria melhor sugerindo por sua vez, num poema, o sentido atávico e até mesmo inexorável da linguagem como busca do outro e, por ser raiz e matéria tão antiga e presente na natureza humana, ilustra muito bem a origem remotíssima da crônica, para usar uma imagem nossa, “um vôo breve com o tempo da eternidade”, puríssimo diálogo:
Pois é o nosso Machado mesmo que, brincando seriamente e se autodenominando “escriba das coisas miúdas”, desvenda “O nascimento da crônica”, não por acaso numa crônica com este mesmo título, afirmando e fabulando com aquele humor inteligente que a natureza ou a origem da crônica nasce de uma trivialidade como exclamar “Que calor!”, para depois conjecturar “acerca do sol, da lua, da febre amarela, dos fenômenos atmosféricos” e outros calores da alma humana. E mais: que este tom tão trivial e aparentemente bisbilhoteiro da crônica é mais velho do que Esdras, Abraão, Isaque e Jacó, sugerindo para nós leitores que é mais velho até do que Noé que – por essas veredas da fábula, não é nenhum pecado imaginar -, muito provavelmente, se utilizou do ritmo exclamativo e prosaico da crônica para anunciar ou quem sabe irradiar a iminência do maior dilúvio de todos os tempos, ameaça ou notícia esta em que, com a graça de Deus, teve gente que acreditou.
É isto: por seu caráter de prosa, colóquio, confissão, comunicação imediata, “graça”, sentido telegráfico, urgência, trivialidade e até mesmo brincadeira ainda que o tema solicite o tom da seriedade, não dá para precisar em que época nasceu a crônica, mas é muito provável (e ainda quem nos alerta é Machado) que a crônica aconteceu pela primeira vez quando as duas primeiras vizinhas, depois das tarefas do jantar, se sentaram na porta de casa para papear sobre o dia e agarrar a transitoriedade da vida com palavras triviais e “voadoras” porque aparentemente dispersas, palavras com ar de coisa nenhuma, mas no fundo necessárias e urgentes como o impulso natural de comunicação entre dois amigos – escritor e leitor – que, se confessando no rés-da-calçada e nas miudezas da vida, revelam a complexidade da condição humana e a experiência única de viver.
Carlos Drummond de Andrade que, como Rubem Braga e Clarice Lispector, imprimiu poesia e estados de alma à crônica, diria melhor sugerindo por sua vez, num poema, o sentido atávico e até mesmo inexorável da linguagem como busca do outro e, por ser raiz e matéria tão antiga e presente na natureza humana, ilustra muito bem a origem remotíssima da crônica, para usar uma imagem nossa, “um vôo breve com o tempo da eternidade”, puríssimo diálogo:
Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
Dialogamos
Só para iluminar mais a simplicidade e a sutileza, por vezes, até refinada da crônica, é quase uma sorte poder recorrer também às palavras de Manoel de Barros, hoje carinhosamente acolhido por leitores de todas as idades como “o grande poeta das coisas pequenas”, entendendo que ele levou a “herança e a ciência da crônica” para os seus poemas em prosa e avisa, com voz de cronista, que “Para apalpar as intimidades do mundo”, labor precioso da crónica, “é preciso saber que o esplendor da manhã não se abre com faca” e que, no jogo literário, a gente tem de saber muito bem “como pegar na voz pegar na voz de um peixe. Enfim, como pegar com as palavras as pequenas coisas, agarrar o grande com a sabedoria do miúdo, revelar a dimensão humana nas suas porções mínimas, escutar a vida cotidianamente, atenções estas presentes em todos os tempos e em todas as formas literárias, mas em nenhum deles com o sentido de permanência, a singularidade e o ‘à vontade’ do ofício de ser cronista.
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