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uerido(a)s aluno(a)s, apesar de estarmos estudando carta argumentativa, deparei-me com a obra de Ignácio de Loyola “O menino que vendia palavras”. Essa obra, segundo Beth Brait (LIVRE-DOCENTE DA PUC-SP E DA USP, AUTORA, ENTRE OUTROS, DE Ironia em Perspectiva Polifõnica) mostra como se constrói um leitor. As palavras de Beth me transportaram ao primeiro dia de aula com vocês. Nesse dia, desejava muito iniciá-los no mundo mágico, porém real das palavras. Explico melhor: as palavras são mágicas, pois elas possuem um sabor especial, com certeza, o mais gostoso de todos os sabores já que a palavra sabores representa uma metáfora que significa autonomia, consciência, aquele ou aquela que não divulga apenas o discurso do outro, mas é capaz de criar e recriar um discurso próprio, porém maduro, a partir de outros existentes, ou seja, qualquer pessoa que não permite ser manipulada; porém, as palavras são consideradas reais quando representam a vida. Não importa a posição assumida, se é a de um leitor ou a de um escritor, estaremos sempre dando vida às palavras. Na verdade, magia e vida se misturam para expressar liberdade que significa saber reconhecer ideologias, saber potencializar conhecimentos capazes de permitir mobilidades sociais e na voz de Paulo Freire traduz-se em cidadão pensante.
Para Brait, a comprovação de como se constrói um leitor evidencia-se no exemplo do escritor Ignácio de Loyola Brandão que ganhou o Jabuti de ficção em 2008, com O Menino que Vendia Palavras (Objetiva, 2007). A obra funciona, por formato, cores, tamanho das palavras e ilustrações, como um objeto a responder “como se constrói um leitor de livros.” Das pessoas que, vivenciando palavras, participam da vida desse leitor/escritor, estão as insubstituíveis professoras do primeiro grau.
Querido(a)s aluno(a)s, vocês terão, agora, a interpretação de um trecho da obra desse escritor. Faça a leitura seguindo a orientação das cores. Após a greve, estudaremos interpretação de textos, levando em consideração três aspectos: linguístico, pragmático e semântico.
O MENINO QUE VENDIA PALAVRAS
- Como o senhor conhece tantas palavras?
- Você não me vê sempre lendo? Assim vou aprendendo as palavras.
- É bom isso?
- Quanto mais palavras você conhece e usa, mais fácil fica a vida.
- Por quê?
- Vai saber conversar, explicar as coisas, orientar os outros, arranjar um aumento com o chefe, progredir na vida, vai entender todas as histórias que lê, convencer uma menina a te namorar.
Podia conversar com ele durante horas, menos quando estava lendo. Chegava do trabalho às cinco e meia da tarde, tomava banho e sentava-se para ler. Era corajoso, lia livros grossos e sempre me trazia um livro novo, me deu todos os livro de Monteiro Lobato e a coleção inteira de Os mais Belos Contos de Fadas do Mundo. Cada história! (...)
- Pergunte a seu pai o que é tara? (...)
- O que me dá?
- Como o que me dá?
- Acha que vou perguntar de graça?
-Por que não?
- Por que sim!
- Bem... te dou... te dou duas tampinhas de Níguer. (...)
Assim comecei meu “negocinho”. (...) de vender palavras.
-Ah é assim? Vamos mudar a coisa. Agora você trabalha.
-Como?
-Quando precisar saber uma palavra, procure nesses livros (...)
É uma enciclopédia (...) Daqui para frente é com você.
Estou fora!
Comecei a viver uma aventura Nova. (...)
Puxa vida, pai! Era uma palavra só. Fui derrotado por uma palavra, ninguém mais me respeita. Ninguém mais quer fazer negócio comigo. (...)
- Como me enganaram?
-Pediram uma palavra que não existe. (...)
Inventaram para te pegar. Foi um jogo sujo.
O diálogo entre o pai e o filho sobre a forma de conhecer palavras e, consequentemente, obter conhecimento, tem como resposta a constante atividade de leitura. Se, de maneira geral, a mulher é fonte de incentivo à leitura dentro de casa, nesta obra o exemplo vem da figura masculina. Pelos dados biográficos de Ignácio de Loyola Brandão, seu pai era um grande leitor e chegou a constituir uma biblioteca de mais de 500 livros, motivando o filho a ler especialmente a partir de seu exemplo.
A palavra, como apresentada nessa obra, não está unicamente em seu estado de dicionário, embora esse poderoso instrumento linguístico seja indicado como importante fonte de conhecimento. Como são explicadas e vivenciadas, estão ligadas à vida, funcionando na constituição do próprio indivíduo e de seu relacionamento com os outros a quem dirige a palavra ou de quem as recebe. De posse delas, poderá, em diferentes vivências, sair-se bem objetiva e afetivamente. Afinal, conquistas dependem de palavras.
A leitura de um livro é atividade que exige isolamento, concentração, preparação, tempo, dedicação e constância. Por mais que tenhamos leituras em grupo (estratégia indicada por teorias contemporâneas), um leitor só se faz em sua relação direta com um texto, num tempo que é seu e vai se configurando como um hábito. São essas circunstâncias que a narrativa destaca e serviram de exemplo para o filho, leitor em construção mesmo sem o saber.
A leitura se revela um valor, um ato de coragem: enfrentar livros grossos não era para qualquer um. Paralelamente ao exemplo de constância, coragem e saber, o filho é iniciado, passa a ter as próprias obras que formaram gerações, partilha com o pai do ato valoroso, viril, iniciático. A exclamação “Cada história!” indica permanência, na memória afetiva, de um começo em que, por livros diferentes, ele adentra o mundo da leitura, dos adultos, mistérios fiados pelas palavras contidas nas mágicas páginas.
O domínio que o pai tinha das palavras passa a ter valor monetário. O filho troca o significado das palavras, palavras que explicam palavras, por objetos de valor para um menino: figurinhas, tampinhas, fotos, chicletes. Mesmo que o episódio seja tirado da vida do autor, ao ser passado à obra adquire valor especial. Não estaria aí a metáfora de que é possível ganhar a vida a “vender palavras”?
Se a metáfora for genuína, o problema não está na venda, mas no vender o que não se produz. O menino vendia significados que vinham do pai. Descoberto o negócio, o pai lhe dá outra lição: para conhecer palavras é preciso esforço. Além da leitura, implica buscar significados. Um gesto que parece abolido na construção de leitores contemporâneos.
A narrativa implica prazer, saber e demais lucros da leitura, mas também lições de vida. Estando as palavras fincadas na vida e delas dependendo as relações, é com elas que jogos sujos se constroem. A ruína do negócio do menino se dá quando perguntando por termo fora do dicionário e que o pai desconhece. A desilusão com o saber relativo do pai vira saber: nem toda palavra está em dicionários; nem todo jogador é leal.