domingo, 8 de maio de 2011


Q
uerido(a)s aluno(a)s, apesar de estarmos estudando carta argumentativa, deparei-me com a obra de Ignácio de Loyola “O menino que vendia palavras”. Essa obra, segundo Beth Brait (LIVRE-DOCENTE DA PUC-SP E DA USP, AUTORA, ENTRE OUTROS, DE Ironia em Perspectiva Polifõnica) mostra como se constrói um leitor. As palavras de Beth me transportaram ao primeiro dia de aula com vocês. Nesse dia, desejava muito iniciá-los no mundo mágico, porém real das palavras. Explico melhor: as palavras são mágicas, pois elas possuem um sabor especial, com certeza, o mais gostoso de todos os sabores já que a palavra sabores representa uma metáfora que significa autonomia, consciência, aquele ou aquela que não divulga apenas o discurso do outro, mas é capaz de criar e recriar um discurso próprio, porém maduro, a partir de outros existentes, ou seja, qualquer pessoa que não permite ser manipulada; porém, as palavras são consideradas reais quando representam a vida. Não importa a posição assumida, se é a de um leitor ou a de um escritor, estaremos sempre dando vida às palavras. Na verdade, magia e vida se misturam para expressar liberdade que significa saber reconhecer ideologias, saber potencializar conhecimentos capazes de permitir mobilidades sociais e na voz de Paulo Freire traduz-se em cidadão pensante.
Para Brait, a comprovação de como se constrói um leitor evidencia-se no exemplo do escritor Ignácio de Loyola Brandão que ganhou o Jabuti de ficção em 2008, com O Menino que Vendia Palavras (Objetiva, 2007). A obra funciona, por formato, cores, tamanho das palavras e ilustrações, como um objeto a responder “como se constrói um leitor de livros.” Das pessoas que, vivenciando palavras, participam da vida desse leitor/escritor, estão as insubstituíveis professoras do primeiro grau.
Querido(a)s aluno(a)s, vocês terão, agora, a interpretação de um trecho da obra desse escritor. Faça a leitura seguindo a orientação das cores.  Após a greve, estudaremos interpretação de textos, levando em consideração três aspectos: linguístico, pragmático e semântico.
O MENINO QUE VENDIA PALAVRAS

- Como o senhor conhece tantas palavras?
- Você não me vê sempre lendo? Assim vou aprendendo as palavras.
- É bom isso?
- Quanto mais palavras você conhece e usa, mais fácil fica a vida.
- Por quê?
- Vai saber conversar, explicar as coisas, orientar os outros, arranjar um aumento com o chefe, progredir na vida, vai entender todas as histórias que lê, convencer uma menina a te namorar.
Podia conversar com ele durante horas, menos quando estava lendo. Chegava do trabalho às cinco e meia da tarde, tomava banho e sentava-se para ler. Era corajoso, lia livros grossos e sempre me trazia um livro novo, me deu todos os livro de Monteiro Lobato e a coleção inteira de Os mais Belos Contos de Fadas do Mundo. Cada história! (...) 
- Pergunte a seu pai o que é tara? (...)
- O que me dá?
- Como o que me dá?
- Acha que vou perguntar de graça?
-Por que não?
- Por que sim!
- Bem... te dou... te dou duas tampinhas de Níguer. (...)
Assim comecei meu “negocinho”. (...) de vender palavras.
-Ah é assim? Vamos mudar a coisa. Agora você trabalha.
-Como?
-Quando  precisar saber uma palavra, procure nesses livros (...)
É uma enciclopédia (...) Daqui para frente é com você.
Estou fora!
Comecei a viver uma aventura Nova. (...)
Puxa vida, pai! Era uma palavra só. Fui derrotado por uma palavra, ninguém mais me respeita. Ninguém mais quer fazer negócio comigo. (...)
- Como me enganaram?
-Pediram uma palavra que não existe. (...)
Inventaram para te pegar. Foi um jogo sujo.

O diálogo entre o pai e o filho sobre a forma de conhecer palavras e, consequentemente, obter conhecimento, tem como resposta a constante atividade de leitura. Se, de maneira geral, a mulher é fonte de incentivo à leitura dentro de casa, nesta obra o exemplo vem da figura masculina. Pelos dados biográficos de Ignácio de Loyola Brandão, seu pai era um grande leitor e chegou a constituir uma biblioteca de mais de 500 livros, motivando o filho a ler especialmente a partir de seu exemplo.
A palavra, como apresentada nessa obra, não está unicamente em seu estado de dicionário, embora esse poderoso instrumento linguístico seja indicado como importante fonte de conhecimento. Como são explicadas e vivenciadas, estão ligadas à vida, funcionando na constituição do próprio indivíduo e de seu relacionamento com os outros a quem dirige a palavra ou de quem as recebe. De posse delas, poderá, em diferentes vivências, sair-se bem objetiva e afetivamente. Afinal, conquistas dependem de palavras.
A leitura de um livro é atividade que exige isolamento, concentração, preparação, tempo, dedicação e constância. Por mais que tenhamos leituras em grupo (estratégia indicada por teorias contemporâneas), um leitor só se faz em sua relação direta com um texto, num tempo que é seu e vai se configurando como um hábito. São essas circunstâncias que a narrativa destaca e serviram de exemplo para o filho, leitor em construção mesmo sem o saber.
A leitura se revela um valor, um ato de coragem: enfrentar livros grossos não era para qualquer um. Paralelamente ao exemplo de constância, coragem e saber, o filho é iniciado, passa a ter as próprias obras que formaram gerações, partilha com o pai do ato valoroso, viril, iniciático. A exclamação “Cada história!” indica permanência, na memória afetiva, de um começo em que, por livros diferentes, ele adentra o mundo da leitura, dos adultos, mistérios fiados pelas palavras contidas nas mágicas páginas.
O domínio que o pai tinha das palavras passa a ter valor monetário. O filho troca o significado das palavras, palavras que explicam palavras, por objetos de valor para um menino: figurinhas, tampinhas, fotos, chicletes. Mesmo que o episódio seja tirado da vida do autor, ao ser passado à obra adquire valor especial. Não estaria aí a metáfora de que é possível ganhar a vida a “vender palavras”?
Se a metáfora for genuína, o problema não está na venda, mas no vender o que não se produz. O menino vendia significados que vinham do pai. Descoberto o negócio, o pai lhe dá outra lição: para conhecer palavras é preciso esforço. Além da leitura, implica buscar significados. Um gesto que parece abolido na construção de leitores contemporâneos.
A narrativa implica prazer, saber e demais lucros da leitura, mas também lições de vida. Estando as palavras fincadas na vida e delas dependendo as relações, é com elas que jogos sujos se constroem. A ruína do negócio do menino se dá quando perguntando por termo fora do dicionário e que o pai desconhece. A desilusão com o saber relativo do pai vira saber: nem toda palavra está em dicionários; nem todo jogador é leal.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Contra Argumentação


Existem pelo menos três formas muito frequentemente empregadas para se argumentar e/ou contra-argumentar:
     1ª) buscar as causas a fim de sustentar um ponto de vista;
     2ª) fazer concessões para que se possam marcar ressalvas ou tentar conciliar com o interlocutor, reconhecendo, desse modo, parte da verdade que este defende;
     3ª) levantar hipóteses para se confirmar uma tese.
Imaginemos um tema a possibilidade de legalização da maconha em nosso país.

Contexto:
Embora no Brasil, de acordo com o Código Penal, o consumo de drogas ilícitas, entre elas a maconha, seja considerado crime, percebemos um aumento de cannabis sativa e uma concomitante diminuição de condenações dos usuários. Em razão disso, a possível legalização dessa droga vem sendo questionada já que as evidências apontam haver maior tolerância por parte da sociedade e maior flexibilidade por parte do judiciário. A questão, longe de ser pacífica, é alvo de muita polêmica.
Como exercício de contra – argumentação, sugerimos que você observe os argumentos favoráveis e os desfavoráveis, descritos abaixo.
               ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À LEGALIZAÇÃO
    ·o usuário necessita de ajuda, e não de repressão;
    · o usuário não é criminoso; portanto não deve ser afastado do convívio social;
    ·  outras drogas são mais perigosas ao organismo, como no caso do álcool; este é, também, causador de inúmeros acidentes de trânsito ou casos de violência;
·  trata-se de um caso de saúde pública cujo objetivo deve centrar-se na prevenção.

            ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS À LEGALIZAÇÃO
  • consequências maléficas ao organismo e ao psiquismo: perda da capacidade cognitiva; falta de motivação para realizar projetos de vida; comprometimento do bom fundamento de órgãos  como pulmão; problemas de garganta;

  • conseqüências no âmbito social: aumento do índice de criminalidade (não      pelo uso, mas pelo tráfico); pode servir de “passagem” para o uso de drogas mais pesadas, tais como cocaína, heroína, entre outras; desestruturação familiar.


           CONCLUSÃO (deve ser centrada na prevenção, tanto nos casos pró ou contra a legalização)
  • reprimir apenas não basta: é necessário ajudar o dependente;
sugestões para a prevenção:
   Ø aplicação de penas alternativas ( desde a obrigação a frequentar  cursos antidrogas até a obrigatoriedade ao tratamento);
   Ø nas escolas: programas de prevenção com especialistas tais como psicólogos, pedagogos; reformulação curricular (introdução do tema em diversas disciplinas do currículo);
    Ø nos postos de saúde, hospitais, clínicas: programas, incluindo participação dos familiares dos dependentes, em palestras; atendimento de orientação a esses familiares e ao dependente, através de especialistas da área médica

Se você for desfavorável à legalização da maconha, a relação A é causa de B poderia ser
assim esquematizada:    

Pensemos que você opte por escrever contra – argumentando as idéias daqueles que são desfavoráveis à legalização da maconha, poderia refutar tal idéia seguindo o raciocínio (A não é causa de B)        

Vejamos outra situação:
Se alguém for favorável à legalização da maconha, a relação A é causa de B poderia ser assim esquematizada:

A violência e a crise da segurança pública


De acordo com recentes pesquisas, entre elas a Datafolha, uma das maiores preocupações dos brasileiros é a violência. A situação tornou – se tão grave que os números referentes aos crimes lembram o cenário de uma guerra civil. Além do aumento da quantidade de delitos, a brutalidade destes causa perplexidade profunda à sociedade.

É muito comum julgar a pobreza como causa principal da violência. Porém, existem países ainda mais pobres que o Brasil nos quais os níveis de subversão permanecem baixos, como se constata na índia; outros onde o nível de desenvolvimento econômico é mais alto mas o índice de criminalidade também o é, fato existente, por exemplo, nos EUA. Isso indica que, no caso brasileiro, a violência brasileira não é ocasionada  sobretudo pela pobreza, mas é fruto de duas características nacionais: a desigualdade social e a impunidade. A disparidade entre a condição social dos mais ricos e as dos mais pobres é tanta que muitos, por ambição ou falta de oportunidade, optam por o crime como forma de ascensão social. Soma – se a isso a certeza da impunidade, causada por uma polícia sucateada e corrupta e uma Justiça lenta e parcial.

Diante de tal situação, a população sente – se cada vez mais acuada. Com medo de torna – se vitima, e, sem poder contar com a polícia, o cidadão não–criminoso tranca–se em casa e abre mão do seu direito de ir e vir. A população, devido à ineficiência do Estado, busca meio para protege- se; aqueles que podem, contratam seguranças particulares – atualmente eles formam um continente maior que a própria policia – enquanto os demais constroem “prisões” para proteger seu patrimônio.

A situação, sem dúvida, é emergencial. Para revertê-la, torna- se necessário erradicar as principais causas do problema: punir os criminosos e amenizar as desigualdades sociais. A fim de reprimir a criminalidade, a policia deve sofrer um processo de reciclagem para poder agir duramente com os bandidos, e não punir os cidadãos não–criminosos. Também é preciso investir em educação, chave pela melhoria das condições sociais da população.  

VAMOS ENTENDER MELHOR

Vamos levar em conta o texto “Big Brother Brasil” de Luís Fernando Veríssimo que vocês já conhecem.
Imaginemos, que alguém opte por escrever defendendo a tese de Fernando Veríssimo. Para isso, vamos estabelecer uma relação – A é a causa de B poderia ser assim esquematizada:

Mas, vamos imaginar que alguém queira refutar, ou seja, negar a tese de Veríssimo
Podemos imaginar a seguinte situação:
&   Mesmo que não se assista a esses programas e eles não sejam exibidos, a banalização dos valores morais continuaria

A ideia pode ser expressa da seguinte forma:
;1 1- Retomando a tese do “adversário”
Existe uma forte tendência / muitos acreditam que responsabilizar programas televisivos “apelativos”, por exemplo, Big Brother Brasil pela banalização dos valores morais, diminuiria atitudes que ferem a dignidade humana.
& 2-Refutação, através de concessão, levantamento de hipótese, causas, apontando para resultados contrários
Em verdade /no entanto / não obstante / Apesar disso, atitudes antissociais continuariam a existir mesmo que esses programas não fossem mais veiculados, pois a sociedade atual presencia a democratização das informações e luta, cada vez mais, pela liberdade de expressão.
 Conclusão
Dessa forma / Desse modo/ Assim, a explicação segundo a qual a não veiculação desses programas diminuiria ou acabaria com a banalização dos valores morais não procede / não pode, pois, ser sustentada.




domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sociedade, cultura e língua

Atividade
O texto abaixo é do jurista Walter Ceneviva, que, tendo por base o novo código civil, comenta a discriminação contra a mulher.


Sociedade, cultura e língua
Quando você conversa com pessoas bem mais velhas, percebe que elas têm um modo de pensar diferente do seu, não é? O mesmo acontece quando você tem mais informações sobre como vivem pessoas que nasceram em países distantes, com costumes diversos do nosso. Essas diferenças dependem da cultura, isto é, o conjunto de formas de dizer, pensar e sentir de uma pessoa ou de uma sociedade.
                      Guarde duas idéias importantes:
1.       A cultura muda no decorrer do tempo e depende do lugar: é uma construção social e histórica;
2.       A língua é um dos elementos que expressam fortemente a cultura e que contribuem para transformá–La    
Portanto sociedade, cultura e língua interferem continuamente uma na outra.
Você vai ler um texto, publicado pouco antes do novo código civil, que é um exemplo do que afirmamos.
Sabe o que é o código civil? É um conjunto de leis que se referem às pessoas e as atividades essenciais que fazem parte da sociedade humana. O Código civil inclui todas as normas consagradas ao longo do tempo, podemos, no entanto modificá-las para se adequarem a mudança dos costumes e as necessidades sociais. O Código civil seria uma espécie de “constituição do Homem Comum”.
Agora, leia o texto.
O código civil de 1916, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1917, privilegiou claramente o masculino, como era o uso ao seu tempo. O pai era o chefe da sociedade conjugal, a mulher casada era relativamente incapaz, a gerência e a administração dos bens eram do marido e havia longuíssima enumeração dos requisitos do dote, constituído pela noiva, por seus pais ou por estranhos, a ser administrado exclusivamente pelo marido. O dote poderia compreender todos os bens da noiva na data do casamento e os que ela, no futuro viesse a adquirir. (...)
O preconceito, porém, não terminava aí. A palavra homem foi tomada na lei brasileira durante grande parte do século 20 como significando a pessoa titular de diretos, enfim, o ser humano. A rigor, continuará a existir até o fim deste ano, quando terminará a vigência do código de 1916, cujo artigo 2º diz: “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”. (...)
As mudanças que começaram a viger em 1º de janeiro próximo eliminaram expressões impróprias e discriminadoras. Assim, o artigo 1º passará a dizer que “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. O critério para a capacidade civil é o mesmo para homens e mulheres. (...)
O novo artigo 1565 dirá tudo a respeito da igualdade no casamento. O homem e a mulher serão “consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos das famílias”. Nem mesmo substituirá a tradicionalíssima imposição de a mulher adotar o nome de família do marido ou, no Maximo, manter o nome de solteira. A contar do ano que vem, qualquer dos noivos, querendo, poderá acrescer o sobrenome do outro no seu. Seja o dele, seja o dela. (...)
Ceneviva,Walter. “Código Civil amenizará diferenças de sexo”.
Folha de S. Paulo, caid. cotidiano, seção letras jurídicas, 17/08/2002, P.2.


         
Orientação para responder a atividade e ler o texto

Querido (a)s aluno (a)s, geralmente, vocês pensam que somente a leitura do texto propriamente dito é suficiente para entender seus significados. Na verdade, essa ideia funciona em casos raros. Vejam algumas observações e respondam a atividade.
1.    Observem as informações que “rodeiam” os textos: introduções, enunciados de questões, indicação bibliográfica. Embora externas ao texto, elas trazem contribuições preciosas para o entendimento dele. É útil grifar palavras ou expressões reveladoras de aspectos importantes do texto. No caso do artigo de Walter Ceneviva, é indispensável prestar atenção aos advérbios antes, que aparece no enunciado introdutório, e que ajuda a responder a responder a questão 1b. A indicação bibliográfica traz pistas essenciais à resposta dos itens da questão1.
2.    Observe que, mesmo em situações corriqueiras, a língua denuncia o formato conservador da família brasileira e o preconceito contra a mulher: o homem costuma referir-se a esposa como “Minha mulher”: o uso do possessivo (minha) indica a condição de possuidor; no entanto, a esposa não alude o marido como “meu homem”...
Responda:
Antes de procurar entender o texto, preste atenção à informação que vem imediatamente após ele: quem o escreveu, título, qual é o suporte (livro, revista, jornal, folheto, site, etc. ), Seção e data de publicação.
1-   
a)    Qual é o título do texto?
b)    O novo Código Civil entrou em vigor em 1º de janeiro de 2003, portanto, o fato já aconteceu. Por que então o verbo do título está no futuro?
c)    Em que tipo de suporte o artigo foi publicado?
d)    A que área do conhecimento o texto pertence?
e)    Qual é o dialeto usado pelo autor? Por que ele é adequado?
2-    O texto refere-se à discriminação no código civil. De que tipo?
3-    Como a linguagem do código civil de 1916 exprimia tal preconceito?
4-    De 1916 para cá, o modo de entender o papel da mulher na sociedade mudou. Encontre no texto um exemplo de que a língua acompanha a mudança de costumes.
5-    Pense na comunidade em que você vive. É difícil, talvez mesmo impossível, existir alguma em que pessoas não faça discriminações de nenhuma espécie. Você sabe que a linguagem “mostra” a discriminação, os preconceitos de quem a usa. Liste as palavras ou expressões  da linguagem oral que exprimem os preconceitos existentes na sua comunidade.         

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Acesse o link abaixo e leia o livro Revolução dos Bichos

Cobrança (Moacyr Scliar)

Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a atenção dos passantes: "Aqui mora uma devedora inadimplente".
        -  Você não pode fazer isso comigo - protestou ela.
      - Claro que posso - replicou ele. - Você comprou, não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tentei lhe cobrar, você não pagou.
        - Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise...
        - Já sei - ironizou ele. - Você vai me dizer que por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo.
        - Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta...
       - Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui, carregando este cartaz, até você saldar sua dívida.
        Neste momento começou a chuviscar.
        - Você vai se molhar - advertiu ela. - Vai acabar focando doente.
        Ele riu, amargo:
        - E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve.
        - Posso lhe dar um guarda-chuva...
        - Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva.
        Ela agora estava irritada:
       - Acabe com isso, Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui.
      - Sou seu marido - retrucou ele - e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu a avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação.
       Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz.
                                      O imaginário cotidiano. São Paulo: Global, 2001.

* Usa 1ª pessoa do verbo, singular e plural

* Usa discurso direto no diálogo, verbos de dizer.
*Traz aspectos de oralidade para a escrita: expressões de conversa familiar/initma, repetições, pronome você.
* Partilha fatos cotidianos com seu leitor, dando singularidade a eles
* Usa marcas de tempo e lugar que revelam fatos cotidianos.